O que teria levado europeus ricos a abandonar a sofisticada vida cultural do Velho Mundo para embrenhar-se na floresta amazônica e enfrentar toda sorte de riscos para conhecer plantas e animais nativos? O desejo de iniciar uma aventura e deixar para trás o enfado do dia a dia da corte é apenas parte da explicação, diz a socióloga Barbara Freitag-Rouanet, que pesquisou as viagens do médico, diplomata e naturalista George Heinrich von Langsdorff por São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Amazônia entre 1824 e 1829.
“A pergunta que me orientou foi: o que faz um homem do século 18 sair o aconchego do seu castelo – Langsdorff era um nobre bastante rico – e se expor a riscos de vida na selva amazônica, em um país totalmente desconhecido por ele?”, questionou Barbara em palestra proferida na Casa de Oswaldo Cruz. “Ninguém veio apenas por valores humanísticos e científicos. Era claro que eles estavam atrás de valores materiais”, disse. No caso de Langsdorff, eram os diamantes que chamavam sua atenção.
Alemão naturalizado russo, Langsdorff veio pela primeira vez ao Brasil em 1803, quando desembarcou em Santa Catarina. Ao ficar sabendo que uma expedição partiria de São Petersburgo para cruzar o Atlântico, circum-navegar a América Latina e ainda fazer prospecções no Alasca, ele se ofereceu ao capitão para compor a tripulação como médico. “Por intermédio de um ex-professor, Langsdorff foi aceito no navio como observador. Ele chegou a São Petersburgo de trenó, puxado por cães, após deixar a Sibéria”, contou Barbara.
Langsdorff obtém apoio do czar para organizar expedição
Já como cônsul-geral e pesquisador, Langsdorff conseguiu apoio do czar para empreender sua grande expedição país adentro. Entre 1824 e 1829, ele passou por São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Amazônia, acompanhado dos pintores Johann Moritz Rugendas, Aimé-Adrien Taunay e Hercule Florence. O grupo documentou a flora, a fauna e povos indígenas dos locais por onde passou. “Foi uma viagem extremamente perigosa e cansativa, em que aconteceu tudo que não devia ter acontecido”, disse Barbara, que baseou a palestra em seu livro Viajando com Langsdorff.
A série de dificuldades e fatalidades enfrentadas ao longo da viagem incluiu desde desentendimentos entre os europeus até a morte por afogamento de Taunay, ao tentar atravessar o rio Guaporé a cavalo, e o caso de um dos remadores que foi comido por uma onça. Entre os casos pitorescos da viagem, Barbara lembrou um episódio relatado sobre outro integrante da expedição, Néster Rubtsov. “O geógrafo e astrônomo, que só falava russo, encantou-se pela cachaça e certa vez acabou caindo em um formigueiro”, afirmou.
Barbara destacou a importância das cidades e vilas no interior do Brasil para a viabilidade da empreitada de Langsdorff. “Segui o movimento de urbanização do interior do Brasil. Não é correto dizer que o Brasil era um país litorâneo. Sem essas cidades, teria sido impossível a esses viajantes fazer esse trajeto”, explicou. Assim como outros integrantes da expedição, Langsdorff não teve um fim feliz. Doente, o médico foi levado por sua mulher à Alemanha, onde morreu em 1852. “Langsdorff perdeu a memória e nunca mais lembrou que esteve no Brasil por mais de 20 anos”, disse Barbara.