Beate Kunst: “Arte e medicina se relacionam”. Foto: Peter Ilicciev. |
Um museu cultural focado na história da medicina. Essa foi a expressão usada por Beate Kunst, pesquisadora associada e curadora do Berlin Museum Of Medical History, para definir a instituição em palestra na Casa de Oswaldo Cruz (COC) na semana passada. Ela participou de um seminário sobre acervos científicos e museológicos promovido em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC). O evento integrou a programação do Ano Alemanha + Brasil 2013-2014.
Localizado na capital alemã, o museu é vinculado ao Charité – Universitätsmedizin Berlin, hospital universitário da Universidade Humboldt e da Universidade Livre de Berlim. A instituição pública tem em seu acervo permanente cerca de 750 objetos, compreendendo espécimes anatômico-patológicos, entre outros. Em suas exposições temporárias, o museu utiliza-se frequentemente da arte para falar da história da medicina. Em entrevista ao portal da COC, Beate falou sobre as atividades do museu. Confira os principais trechos.
Quais os desafios de combinar história da medicina e arte em um mesmo museu?
Acho que arte e medicina se relacionam. O corpo sempre interessa ao artista. Pense no artista Leonardo da Vinci, que dissecou e descobriu estruturas novas na anatomia humana. Por outro lado, também houve doutores que deram aulas nas escolas de arte para ensinar anatomia. Parece haver uma grande separação entre as duas áreas, porque a arte é subjetiva e precisa de espaço para expressar sua aura, enquanto que a medicina pretende ser muito objetiva. Mas as duas coisas combinam e são ambas fascinantes. Fazer uma operação também é uma espécie de arte. Os artistas que têm intenção de apresentar seu trabalho em nosso museu entram com um pedido. Como não temos um historiador da arte, é importante que tenhamos pessoas que possam avaliar se a arte desse artista tem qualidade. Então, conversamos com o artista e combinamos o que é possível fazer: ou uma exposição grande, ou uma intervenção. Precisamos verificar se a arte em questão não contraria nossa filosofia, ou seja, é preciso ter algo a ver com medicina, abordando temas como órgãos, corpo ou técnica.
Quais são os temas que mais interessam ao público?
A fragilidade do corpo humano: exposições sobre dor, morte, patologias, próteses. Interessa-lhes mais o corpo e menos a técnica. A exposição Vom Tatort ins Labor (Da cena do crime ao laboratório) foi a maior em termos de visitantes. Parece-me que a maioria dos visitantes gosta mais desses temas, mas também de anatomia em geral e dos espécimes [em exposição].
Qual é o público do museu?
A maioria das pessoas que nos visitam são estudantes, que vão com suas instituições. São alunos de enfermagem, massoterapia, medicina, e, mais recentemente, da área de museologia e estudos culturais. Além desses, também o pessoal de design de aparatos médicos. Para atrair o público, buscamos ter uma inserção nos jornais e também estamos bastante presentes nos guias de viagem. Especialmente no verão, no período de férias, recebemos muitas pessoas de fora e visitantes individuais.
O elemento arte ajuda a atrair o público?
A arte atrai um público diferente do que mencionei. Os visitantes de um museu de arte são um pouco diferentes dos que vão a um museu de ciência ou de história natural, que são famílias ou grupos de estudantes. Essas pessoas [que visitam o museu motivadas pela arte] geralmente vão sozinhas às exposições. Há muitos que vão a uma exposição de arte, acham o museu inteiro muito interessante e voltam.
Você poderia falar sobre a exposição que está atualmente em cartaz?
Praxiswelten – Zur Geschichte der Begegnung von Arzt und Patient [O mundo do consultório – a história do encontro entre médico e paciente] é uma exposição diferente das anteriores, porque envolve muito mais a pesquisa na área de história da medicina de uma forma direta. Havia um projeto para trabalhar com os registros escritos de oito consultórios médicos diferentes do século 17 ao 19. Esses registros não foram procurados antes porque os pesquisadores não imaginavam a riqueza que poderia haver neles. Mas, com esse projeto, os pesquisadores encontraram e acessaram esse material, o que foi difícil, pois alguns escritos estavam em latim ou tinham uma caligrafia muito antiga. Depois, estudaram os casos contidos nesses registros. Uma constatação interessante é que, naquela época, pacientes que eram mais pobres pagavam menos aos médicos do que alguém que tinha mais dinheiro. Esse lado social já existia nesses consultórios. Outro resultado é que, nos séculos 17 e 18, médicos e pacientes conversavam em pé de igualdade. No século 19, com a especialização crescente dos médicos, começou a haver uma hierarquia na relação entre médico e paciente, O projeto durou três anos. Depois [de concluído o trabalho], pagou-se um outro grupo de pesquisadores, que teve acesso aos resultados da pesquisa e organizou uma exposição. A mostra aborda o trabalho de pesquisa, informando sobre médicos, alguns pacientes, os problemas daquela época, mas também sobre como os pesquisadores trabalharam no projeto.