A Casa de Oswaldo Cruz apresentou no dia 19 de setembro um curta-metragem produzido pela Fundação Merieux sobre a campanha de vacinação contra meningite em São Paulo e no Rio de Janeiro, em 1974. Reunidos no auditório do Museu da Vida, os pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz Carlos Fidelis Ponte, Dilene Raimundo do Nascimento e Gilberto Hochman discutiram o filme sobre iniciativa, uma parceria entre o governo militar Ernesto Geisel e o laboratório francês.
“O filme destaca um momento em que o Brasil, que tinha a questão da ditadura, enfrenta uma epidemia e se vê sem possibilidade de resolver isso se não fosse pela importação de uma vacina. [ministro da Saúde] Vinícius da Fonseca acrescentou à compra um contrato de transferência de tecnologia, se valendo de algo que chamamos hoje de ‘poder de compra do Estado’”, Carlos Fidélis |
O País vivia em plena ditadura e, desde 1971, São Paulo estava sob uma epidemia de meningite mantida sob censura pelo governo federal e pelas autoridades estaduais. Iniciada numa das zonas mais pobres da Grande São Paulo, o surto se espalhou para outras áreas. Em 1974, a epidemia se manifestou em outras regiões do país, levando o Ministério da Saúde a empreender, em caráter de urgência, uma campanha de vacinação de grandes proporções, que utilizou 80 milhões de doses de vacinas importadas a um custo de US$ 40 milhões.
O momento também era complexo para a Fiocruz. Cinco anos antes, havia ocorrido o “Massacre de Manguinhos” – episódio em que dez pesquisadores da Fiocruz foram sumariamente cassados. Segundo Carlos Fidélis, “é nesse contexto que a Fiocruz foi sendo retirada do limbo em que foi jogada por outras administrações”. Um ano depois da campanha de vacinação de 1974, a unidade Biomanguinhos é criada, representando o marco da retomada da produção de vacinas pela Fundação.
“A criação do programa foi fundamental para a implementação das campanhas de vacinação para, inclusive, a erradicação da pólio, que completa 20 anos. Apesar do filme ser uma propaganda de governo, à época, foi uma solução efetiva a partir de quando o governo não pode mais negar a epidemia”, Dilene Raimundo |
O pesquisador também citou a criação do Programa Nacional de Imunização, que cumpriu o desafio de vacinar um país com as dimensões brasileiras em um dia. “Vacinar esse país em um dia só, ninguém acreditava que ser possível, sem internet, sem telecomunicações, estradas, enfim”. A pesquisadora Dilene Raimundo completou: “A criação do programa foi fundamental para a implementação das campanhas de vacinação para, inclusive, a erradicação da pólio, que completa 20 anos”.
“Essa experiência de 74 só foi possível a partir de experiências anteriores acumuladas. Efetivamente, houve uma ida para se vacinar. Acho que esse dado é importante e o que já está acontecendo tem a ver com a criação da cultura de imunização no Brasil. Eu desconfio que mesmo em se tratando de regime militar, com a censura, coação, as pessoas achavam e continuam achando que vacinar é algo positivo”, Gilberto Hochman |
Ela também chama a atenção para o fato de que o filme é uma propaganda política do governo em associação à Fundação Merieux, feito em um momento em que o governo não podia mais negar a epidemia e teria que desembolsar US$ 40 milhões em caráter de urgência. Apesar disso, disse acreditar que a importação foi uma solução efetiva naquela época.
O comparecimento em massa da população é o fator mais surpreendente retratado pelo filme, para Gilberto Hochman. Ele atribuiu esse afluxo mais ao acúmulo de experiências positivas em relação à imunização, que ocorreram no Brasil a partir da campanha de erradicação da varíola, do que a algum tipo de coação exercida pelo regime militar: “Efetivamente houve uma ida para se vacinar. Isso teve mais a ver com a criação de uma cultura de imunização no Brasil. A gente compartilhava um certo consenso básico de que vacinação é algo positivo, diferentemente de 1904, com o episódio da Revolta da Vacina”.