Doença infectocontagiosa que atinge a pele e nervos periféricos e pode resultar em sérias incapacidades físicas, a hanseníase ainda é um problema de saúde pública em diferentes partes do mundo, incluindo o Brasil. Apesar dos avanços nos últimos anos, o País registrou mais de 28 mil novos casos em 2015, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Para discutir o tema, a Casa de Oswaldo Cruz promoveu o seminário Global Health Histories: Leprosy na última sexta-feira (6/5), no Rio de Janeiro. Em sua 97ª edição, a iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Centre for Global Health Histories da Universidade de York (Reino Unido) foi realizado pela primeira vez na América.
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Signatário da proposta de alcançar a marca de menos de um caso de hanseníase para cada grupo de 10 mil habitantes, acordada na década de 1990 no âmbito da OMS, o Brasil está próximo de atingir a meta, disse Rosa Castália França Ribeiro Soares, da Coordenação Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação, ligada ao Ministério da Saúde. “Já temos 1,15 [caso] para cada grupo de 10 mil habitantes. Provavelmente no próximo ano, em se mantendo o ritmo de declínio, alcançamos essa meta em nível nacional, porque alguns estados já a alcançaram”, previu. Entre as ações levadas a cabo, Rosa Castália mencionou as campanhas voltadas para crianças de 5 a 14 anos em áreas endêmicas, que resultaram na ampliação do acesso ao diagnóstico e ao tratamento pela população infantil.
A média nacional, entretanto, esconde realidades díspares nas diferentes regiões brasileiras. Enquanto no Rio Grande do Sul, a doença está praticamente erradicada, estados como Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, ainda têm alta incidência. “[São] estados onde o acesso ao diagnóstico e ao tratamento é mais difícil e a distribuição de renda, as condições de vida e a infraestrutura social são mais precárias”, explicou Rosa Castália. De acordo com ela, o governo brasileiro trabalha para reduzir a carga da doença em todos os municípios do País e, por meio de diagnósticos mais precoces, eliminar a incapacidade física decorrente da hanseníase.
Em agosto, o Ministério da Saúde pretende lançar uma nova edição do Plano integrado de ações estratégicas de eliminação da hanseníase, filariose, esquistossomose e oncocercose como problema de saúde pública, tracoma como causa de cegueira e controle das geohelmintíases, para o período 2016-2020. A nova edição do documento vai seguir as novas recomendações da OMS, expressas na recém-lançada estratégia global de hanseníase para os próximos cinco anos, que tem como foco a redução das incapacidades físicas e o diagnóstico precoce da doença. “A estratégia anterior era mais focada em reduzir a transmissão e o número de pessoas infectadas. Esta nova [fase] é mais de redução dos danos da doença”, afirmou a coordenadora.
Para a assessora sênior em saúde global do Fundo Global Mirta Roses Periago, o combate à hanseníase hoje “paga pelo sucesso” obtido nos últimos anos. De acordo com ela, assim como outras doenças que estão sob controle ou em fase de eliminação, a hanseníase começa a perder atenção por parte de diferentes atores. “Trata-se de uma doença que está em fase de controle avançado e próxima da eliminação como problema de saúde pública. Mas isso não significa que ela não siga existindo e que, portanto, haja pessoas em risco e que vão sofrer caso sejam detectadas tardiamente, com possíveis incapacidades e outros problemas”, avaliou.
A falta de financiamento é um dos principais entraves a maiores avanços, na avaliação de Mirta. De acordo com ela, a maior parte dos recursos hoje é de origem estatal ou filantrópica. “Embora exista há mais de 4 mil anos, a doença ainda é um grande mistério em muitos de seus aspectos. Do ponto de vista da ciência, da biologia, da genética e da patologia, desconhecemos muitos de seus mecanismos […]. Então, a falta de investimento faz com que não possamos dar um passo adiante no conhecimento da doença e na identificação de novos métodos de diagnóstico, tratamento e prevenção”, observou.
Ao defender a importância dos estudos históricos sobre a hanseníase para a formulação de políticas e estratégias para combatê-la, a coordenadora do Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Euzenir Sarno, afirmou que o País ainda terá de conviver com a doença por “muitos anos”. “Mesmo o Rio Grande do Sul, um Estado que, em 1985, tinha eliminado a hanseníase, ainda hoje tem casos. É uma doença que deixa um rastro por muitos anos”, explicou.